Wednesday, August 5, 2009

Primeira descrição europeia de sonhos lúcidos



Hoje deixo-vos com uma citação da obra Sonhos lúcidos de Stephen LaBerge, sobre o que terá sido a primeira descrição de um sonho lúcido no Ocidente.


A primeira descrição de um sonho lúcido na história do Ocidente está conservada numa carta escrita em 415 d.C. por Santo Agostinho. Discutindo a possibilidade de sentir coisas depois da morte, quando os sentidos físicos já não funcionam, Agostinho citou o sonho de Genádio, médico em Cartago. Genádio, que padecia de dúvidas a respeito da existência de uma vida após a vida, sonhou que um jovem de "aparência notável e presença marcante aproximou-se e ordenou: 'Siga-me' ". Seguindo obedientemente o jovem angelical, Genádio chegou a uma cidade onde ouviu um canto "tão delicadamente doce que sobrepujava tudo o que já ouvira". Indagando a respeito da música, disseram-lhe que era "o hino dos abençoados e do santos".
Nesse momento Genádio acordou, considerando tudo "apenas um sonho". Na noite seguinte sonhou de novo com o jovem, que lhe perguntou se conseguia reconhecê-lo. Quando respondeu: "Mas é claro que sim!", o jovem perguntou onde o havia conhecido. A memória de Genádio "não conseguiu" lhe dar a resposta adequada e ele narrou os acontecimentos do sonho anterior. Nesse ponto o jovem indagou se aqueles fatos haviam acontecido durante o sono ou quando estava acordado. À resposta de Genádio, "durante o sono", o jovem continuou o que havia se tornado um interrogatório socrático, declarando: "Você se lembra bem de tudo; é verdade que viu essas coisas enquanto estava dormindo, mas preciso lhe dizer que mesmo agora você está vendo no sono".
Dessa forma Genádio ficou consciente de estar sonhando. O sonho, agora lúcido, continuou, com o jovem perguntando: "Onde está o seu corpo agora?" Tendo Genádio dado a resposta adequada, "na minha cama", o inquisidor do sonho continuou a discussão: "Sabe que agora os olhos desse seu corpo estão confinados e fechados, e sabe que com esses olhos não está vendo nada?" Genádio respondeu: "Sei". Nisso, o professor do sonho chegou à conclusão do raciocínio, perguntando: "Então que são os olhos com que está me vendo?" Incapaz de resolver aquele quebra-cabeça, Genádio permaneceu em silêncio e o catequista do sonho passou a "revelar para ele o que estava se esforçando por lhe ensinar com aquelas perguntas", exclamando triunfalmente: "Pois quando está dormindo e deitado na cama esses olhos do seu corpo não têm serventia e não estão fazendo nada; no entanto, você tem olhos com os quais está me olhando, e sente prazer nessa visão; de modo que, depois da sua morte, quando os olhos do seu corpo estiverem completamente inativos, haverá em você uma vida que ainda estará vivendo, e haverá uma faculdade de percepção com a qual você ainda estará percebendo. Por isso, depois disto tenha cuidado com as dúvidas que abriga sobre a vida do homem continuar ou não depois da morte".
Santo Agostinho nos conta que depois daquilo as dúvidas do sonhador foram completamente dissipadas. Temos de admitir que a força do raciocínio (não a do sonho lúcido) fica diminuída pelo
fato de que o próprio jovem, apesar de confiante, não foi mais capaz que Genádio de explicar a natureza dos olhos com os quais enxergamos nos sonhos. Apesar da clareza dos raciocínios aristotélicos ao contrário, para Genádio e para a maioria de seus contemporâneos ainda era preciso ver para crer. Sonhar com ver alguma coisa implicava que essa coisa não era uma mera imagem e sim um objeto que existia em algum lugar (fora dequem estava sonhando.
Igualmente, para a mente pré-científica, ver alguma coisa num sonho implicava a existência verdadeira de olhos de sonho com os quais se exergava nos sonhos e, — pelo mesmo raciocínio, implicava um corpo de sonho com o qual se existia nos sonhos, presumivelmente análogos aos órgãos físicos correspondentes de sentido e percepção, e ao corpo físico. Ao mesmo tempo, tendo em vista que esse segundo corpo ou corpo de sonhos parecia passar muito bem enquanto o corpo físico estava ocupado dormindo, era fácil concluir que os dois corpos eram na verdade independentes um do outro.

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