Saturday, August 8, 2009

Quem sou? (2ª parte)




Segue a segunda parte do artigo sobre como o estudo dos sonhos lúcidos pode ajudar a perceber quem realmente somos. Mais uma vez relembro que o artigo é uma transcrição de uma parte da obra Sonhos Lúcidos de LaBerge.


O facto de haver alguns sonhos em que aparentemente não representamos nenhum papel demonstra que o actor de sonho não é quem está sonhando. Nesses sonhos parece que testemunhamos os fatos do sonho do lado de fora, em graus variáveis. Às vezes sonhamos, por exemplo, que estamos assistindo a uma peça. Enquanto a ação se desenrola no palco parece que nós estamos pelo menos representados como presentes, embora observando passivamente. Um exemplo famoso desse tipo de sonho está no Antigo Testamento (Génese 41:1-7):

"O faraó sonhou: e eis que estava ao lado do rio. E eis que surgiram do rio sete vacas de boa aparência e bem fornidas; e ficaram pastando na pradaria. E eis que depois delas surgiram do rio mais sete vacas, de má aparência e desprovidas de carnes; e ficaram ao lado das outras vacas, na margem do rio. E as vacas de má aparência e desprovidas de carnes devoraram as sete vacas de boa aparência e bem fornidas. Com isso o faraó acordou."

Em outros casos o sonhador pode não estar presente no sonho, como aconteceu no sonho que o faraó teve quando voltou a dormir:

"E dormiu e sonhou pela segunda vez: e eis que sete espigas de milho surgiram de uma planta,
viçosas e boas. E eis que depois delas brotaram sete espigas finas e maltratadas pelo vento do oriente. E as sete espigas finas devoraram as sete espigas viçosas e boas. E o faraó acordou e eis que fora um sonho.
"

Dou a essa perspectiva descorporifiçada o nome de "observador do sonho". O observador do sonho não está contido no sonho e fica do lado de fora do mesmo.
Todo sonho contém pelo menos um ponto de vista com que podemos nos identificar: o papel que estamos representando no nosso teatro de sonho. A natureza do papel que desempenhamos ou optamos por desempenhar no sonho nos deixa vários graus de participação, que vão da participação completa do ator de sonho ao desligamento do observador do sonho, que não participa de nada. Por isso, a resposta da pergunta "quem é o sonhador lúcido?" parece ser: "essa pessoa é uma figura composta; em parte é o ego ou ator de sonho, em parte é o observador do sonho".

6 comments:

  1. "Em outros casos o sonhador pode não estar presente no sonho, como aconteceu no sonho que o faraó teve quando voltou a dormir" - LaBerge

    Penso que pode haver algo idêntico nesta "realidade mais densa", que é quando alguém de forma consciente deixa de ter uma atitude egoísta num relacionamento amoroso, passando a esforçar-se para atingir a felicidade de ambos, nem que para isso tenha de sacrificar (por vezes) a sua própria felicidade.
    Acho que nestes casos, a consciencia da pessoa é ligeiramente diferente porque não se vê a si e depois ao outro, mas vê os dois como sendo um. Isso obrigatóriamente requer que haja uma "despersonificação" da própria pessoa.

    ReplyDelete
  2. Penso, entretanto, que quando isso ocorre - ou seja, uma superação consciente das identificações egóicas - há uma mudança cognitiva, que se raduz numa alteração da qualidade do sonho. Nesses casos, o sonho é muito lúcido e também vívido e sua "temática" também muda - estaríamos talvez rumando para o "pós-sonho".
    Questão ineteressante essa que vc levantou, também tenho refletido sobre isso...
    Muito bom !
    Abraços a todos

    ReplyDelete
  3. "que é quando alguém de forma consciente deixa de ter uma atitude egoísta num relacionamento amoroso, passando a esforçar-se para atingir a felicidade de ambos, nem que para isso tenha de sacrificar (por vezes) a sua própria felicidade".

    Para isso é fundamental que se faça a melhor escolha, ou seja a escolha amorosa, para nos libertarmos, verdadeiramente, dos sentimentos que geram os conflitos existenciais. Esses conflitos surgem quando tentamos reprimir, ou então nos acomodamos aos pensamentos, sentimentos, desejos e comportamentos egóicos.
    Um erro muito grave é confundir a concentração com um esforço egóico. Na verdadeira concentração, não há esse conflito, porque o papel da consciência não é impedir, mas apenas prestar atenção num único pensamento. O que interessa é apenas uma imagem e sómente uma. As outras imagens devem ser esquecidas, quero dizer, silenciá-las, e mais tarde lembrar-se delas (imagens). Ao recordarmos, elas avigoram-se mais e mais, porque recordar tráz identificação.

    Abraços para todos,
    Lumenamena

    ReplyDelete
  4. Lumena,
    Explica, por favor, a que propósito veio o teu ultimo paragrafo. É que não vejo como poderá enquadrar-se com o que escrevi.

    Um beijo,
    Richard

    ReplyDelete
  5. Caro JHolland,
    O intuíto do meu comentário era tentar estabelecer um paralelismo entre os sonhos "despersonalizados" com essa mesma atitude na vida real. Penso que uma atitude vem com a outra. Ontem senti isso ("aqui") e hoje tive um sonho despersonalizado.
    É curioso como a barreira entre mundos é ténue. Ou será que é intransponivel para aqueles que só vêem um dos lados, e ténue para quem nem está num nem no outro lado?
    Afinal de contas, quem somos? A marioneta ou a mão por detrás?

    ReplyDelete
  6. Richard,
    O 2.º parágrafo enquadra-se nessa "realidade mais densa", ou seja, um processo sempre tem uma linha de tempo. Além disso, quando realmente se está a viver a partir da intuição, a partir da sua própria fonte de verdade, as decisões que se toma nas acções, geram sim, resultados densos.
    Foi assim que me pareceu entender com o que escreveste!

    Um beijo,
    Lumenamena

    ReplyDelete